quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

História: a primeira via


A história é a primeira via do quadrivium muito especial que sustenta o Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes. Na verdade, a história, mais do que ser somente uma via, é uma bússola que norteia todos os textos: a contextualização histórica e a veracidade dos factos apresentados, por mais fabulosos e insólitos que possam parecer, é um dos pilares deste trabalho.

Porém, a história nem sempre foi observada como sendo, por mérito próprio, uma disciplina feita de registos fidedignos: nas tradições clássicas gregas e romanas aceitou-se que os historiadores, entre os quais figuraram nomes de charneira como Políbio ou Tito Lívio, inventassem cenários para inserirem as personagens do passado, atribuindo-lhes ainda longos discursos. Isto seria, certamente, um resquício do ensino tradicional, operado oralmente: exigia-se aos alunos que exercitassem a arte da memória e provassem os seus conhecimentos através de esforçadas exposições orais (hoje, os alunos demonstram os conhecimentos aprendidos, mediante um teste escrito - uma prática que, na verdade, é milenária e foi inventada pelos chineses, durante a dinastia Han).

Uma leitura comparada das histórias romana e grega comprova como uma foi escrita sobre a outra, com diversos eventos e figuras pretéritas reflectidas em outras mais recentes. Curiosamente, Lívio oferece-nos em Ab Urbe Condita Libri (Livros da Fundação da Cidade [de Roma]) um exemplo pioneiro da chamada "história contra-factual" quando especula se a civilização romana teria sido capaz de derrotar Alexandre, o Grande, caso este tivesse invadido os territórios mediterrânicos, em vez de ter morrido na Babilónia (Lívio diz peremptoriamente que sim).

Imagem: De Schilderkunsnt (A Pintura) de Johannes Vermeer (1668). Neste quadro magnífico, o próprio Vermeer apresenta-se de costas para o observador, enquanto pinta uma modelo vestida de Clio, a musa da história.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

As Quatro Vias


Em síntese, as Artes Liberales (Artes Liberais: assim chamadas, porque somente um homem livre teria tempo - e condições financeiras - para dedicar-se ao seu estudo) foram conceitos que a civilização romana adoptou da cultura grega, na qual estas vias de conhecimento eram apelidadas, em conjunto, pela designação de enkúklios paidéia, que significa educação em círculo, e que consiste no étimo da palavra enciclopédia.
Na Idade Média, as Sete Artes Liberais foram legitimadas no ambiente escolástico, como sendo os Sete Pilares da Sabedoria, pela colagem a um versículo do livro bíblico Provérbios: «A sabedoria edificou a sua casa, levantou sete colunas» (9:1). No século V, um escritor chamado Martianus Capella, contemporâneo (e, se calhar, vizinho) do teólogo Agostinho de Hipona, escreveu um livro intitulado De Nuptiis Philologiae et Mercurii (Sobre as Bodas da Filologia e Mercúrio): nesse trabalho, muitíssimo influente, as Sete Artes Liberais são os "presentes" de casamento (na verdade, apresentam-se como sendo uma espécie de aias) oferecidos a Filologia e as representações inventadas por Capella ainda se mantém mais ou menos intactas. De um ponto de vista prático, estas disciplinas encontravam-se divididas em dois grupos: o trivium e o quadrivium (três vias e quatro vias); categorizações entre o conhecimento associado "às letras" e o conhecimento associado "à matemática", respectivamente, que marcaram o desenvolvimento medieval das summae.

Com efeito, foi durante a Idade Média que se fortaleceu o desejo dos doutos de registar todo o conhecimento - uma atitude ambiciosa que, surpreendentemente, foi olhada com desdém pelos filósofos humanistas do Renascimento que tomavam como garantido que o conhecimento total era impossível de alcançar, logo tentá-lo era uma estupidez. As summae, dedicadas a diferentes áreas do saber, buscaram o nome à palavra latina summa que é uma abreviatura da designação summa linea (linha de cima): de acordo com o velho hábito romano, as somas faziam-se de baixo para cima e o total era calculado na linha cimeira. Uma boa tradução para summa, no sentido enciclopédico, é compêndio.

Nessa óptica, o meu Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes está arquitectado num quadrivium muito particular: quatro vias heterogéneas de conhecimento, mas com múltiplos pontos de contacto entre si, sobre as quais assenta todo o conteúdo do livro. Quais são essas quatro vias? Irei desvendá-las em breve.

Imagem: páginas de De Secretum Philosophorum (Sobre o Segredo dos Filósofos), summa do século XIV, atribuída sem fundamento ao teólogo alemão Albertus Magnus (1193-1280) que, por mérito próprio, tentou criar um grande compêndio de todo o conhecimento, projectando para o efeito a escrita de quarenta volumes.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O que é o "Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes"?


Bem-vindos ao weblog do Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes: o meu novo livro, que será publicado, em breve, pelas edições Saída de Emergência.

Os meus romances costumam apresentar bibliografias extensivas nas quais, em conjunto com os pormenorizados apontamentos finais, listo todos os livros de não-ficção que li para poder desenvolver as ficções. Faço-o porque me dá um prazer enorme ir “aos bastidores” dessas ficções e partilhar um pouco dos meus conhecimentos com os leitores. Acho que essas espreitadelas ao lado polar da cortina são excelentes formas de contextualizar a ficção. Porém, este Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes não é uma espreitadela por trás da cortina: é um empurrão.

Está cheio de diabos, monstros, gente louca, gente violenta, gente com quem ninguém quer ir beber um café. Uma amiga disse-me, uma vez, «oh, tu desmistificas tudo»: podem crer que esse é um verbo de ouro nas páginas deste título. Parte miscelânea, parte enciclopédia e parte ensaio, é um livro de conhecimentos para leitores que, como eu, são fãs de conhecimento e não receiam procurar a verdade sobre os assuntos, mesmo que isso signifique arruinar concepções enraizadas, mas erradas. Poucas coisas são tão destrutivas quanto isso (eu acho que vale a pena) e este livro é tudo menos superficial. Porém, recordando as imortais palavras de Apuleio, «Lector intende: laetaberis». («Atenção, leitor: irás divertir-te».)

Neste weblog irei publicar regularmente novidades exclusivas sobre o Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes, cuja data de saída está calendarizada para a próxima Feira do Livro de Lisboa, que ocorrerá entre 24 de Abril e 13 de Maio. Fiquem atentos.