quinta-feira, 22 de março de 2012

Pré-publicação do "Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes"


O número doze da Revista BANG! (revista quadrimestral e gratuita sobre literatura fantástica, publicada pelas edições Saída de Emergência) traz uma pré-publicação exclusiva do Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes, intitulada "As Portas do Diabo": um dos textos incluídos no terceiro capítulo, cuja via, como foi aqui anunciado, é o Oculto.

A Revista BANG! é um exclusivo das lojas FNAC: procurem a loja FNAC mais próxima da vossa área, levem a Revista BANG! para casa e leiam, em primeira mão, um dos inúmeros segredos sombrios que o Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes tem para vos contar.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Bestiário: a quarta via


Uma história que não incluí no Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes é o relato de um exército quinhentista português, liderado por um enigmático general chamado Baruiga (às ordens de D. Manuel I), que, em 1513, foi derrotado pelo canato turco da Crimeia quando os muçulmanos lhe atiraram colmeias cheias de abelhas do alto das muralhas. Não incluí esta história no livro, porque ela é falsa, de certeza (foi difundida pelo título L'Apiculture à Travers les Âges [A Apicultura Através dos Tempos], de Lucien Adam, publicado em 1985), embora eu adorasse que fosse verdadeira.

No entanto, é provável que, durante as suas múltiplas campanhas, os exércitos portugueses tivessem sido recebidos pelos nativos com bombas de barro ou de cerâmica, cheias de abelhas, porque essas armas eram muitíssimo comuns: tanto que, na verdade, a palavra bomba, assim como bombarda (canhão), tem como étimo a palavra grega bómbos, que significa zumbido das abelhas. Os mais sofisticados projécteis primitivos usados pelos nossos antepassados, desde o paleolítico, foram colmeias e toscos invólucros de terra, barro e osso recheados de abelhas, vespas, formigas e até escorpiões. Com efeito, alguns dos primeiros relatos conhecidos sobre animais são descrições de como é possível utilizá-los como armas de guerra - como pode ler-se, por exemplo, no tratado Como Sobreviver Durante um Cerco, de Eneias, o Táctico, escrito no século IV a. C., e que aconselha os cidadãos cercados a soltarem abelhas nos túneis cavados pelos inimigos.

Foram, provavelmente, estas descrições quase marginais que inspiraram a escrita dos primeiros bestiários.


A quarta via do Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes é o bestiário.
É possível que o primeiro bestiário seja o tratado anónimo, escrito em grego e datado do século II, intitulado Physiologus (O Naturalista), que consiste numa enciclopédia da vida animal, mas em que as espécies - tanto as reais, quanto as mitológicas - não são descritas de um ponto de vista científico, como em Naturalis Historia (História Natural), de Plínio, o Velho, escrito no século anterior, mas de um ponto de vista moral: o estilo distintivo dos verdadeiros bestiários; como os medievais, nos quais abunda o anedotário e a moralidade característica das fábulas.

No
Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes, o bestiário é uma lente que observa a história, a ciência e o oculto (as restantes três vias) à luz da nossa ligação ao mundo natural, e aos mitos a ele associados, cifrando-se como um molde no qual todas as vias coalescem e a mensagem do livro ganha forma.

Imagens: um cavaleiro caça um unicórnio, numa iluminura do Physiologus de Berna, compêndio composto na cidade setentrional francesa de Reims, no século IX, a partir de outras cópias do Physiologus original; três cachalotes varados na praia, numa gravura do artista holandês Jan Wierix, datada de 1577, e rematada num registo que evoca a célebre gravura do rinoceronte da autoria do artista alemão Albrecht Dürer (realizada sessenta e dois anos antes), e que se apresenta como um desenho de transição entre o feitio fabuloso dos bestiários medievais e a rigorosa ilustração científica contemporânea.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Oculto: a terceira via


O oculto é a terceira via do Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes.

A palavra oculto foi usada no domínio das filosofias naturais (nome pelo qual eram conhecidas as ciências, como vimos na publicação anterior sobre a "segunda via") para designar propriedades físicas que não podiam ser observadas directamente, mas desvendadas através de experiências heurísticas. Os filósofos naturais de raiz aristotélica deram o nome de ocultas a determinadas especialidades escondidas da matéria que eles acreditavam ser as causas de efeitos observáveis. No desenrolar do século XVII, a palavra oculto começou a ser aplicada às - consideradas retrógradas - práticas alquímicas, astrológicas e teosóficas (não-blavatskianas). A magia - não só o fabrico de mezinhas e tisanas, mas também os métodos utilizados para comunicar com criaturas espirituais e até com Deus (o misticismo) - também adquiriu a cabal conotação de conhecimento ocultista. Em sequência, quando hoje se fala no "oculto" fala-se de um grupo heterogéneo de disciplinas e tradições: uma mistura sincrética de assuntos que somente têm em comum a grande distância que partilham em relação ao tronco do conhecimento aceite institucionalmente. Em suma: a noção de que o "oculto" e o "esotérico" são sinónimos e a de que ambas as palavras se referem a superstições e intrujices de carácter mais ou menos popular são erradas, como irá descortinar-se.

No Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes, a trajectória do oculto é contextualizada com rigor histórico; assim como são desmistificadas algumas das suas faces mais influentes. Nas suas páginas irá descobrir-se qual foi a importância das operações ditas ocultistas para o desenvolvimento das ciências e no que consistiram. Também se irá viajar, sem rede, até ao lado negro de estranhos rituais e suas consequências perigosas.

Imagem: O Menino Jesus abre um coração e varre para o exterior o mal que se aninhava lá dentro, personificado por um bando de animais repugnantes, como répteis e vermes (gravura datada dos primeiros anos do século XVII, realizada pelo artista holandês Anton Wierix e pertencente à sua série de emblemas cardiomórficos, reunidos sob o título Cor Iesu Amanti Sacrum [Amantes do Sagrado Coração de Jesus], exaltantes do Culto do Sagrado Coração de Jesus). Esta gravura foi inspirada num versículo do livro profético Isaías, retirado de uma passagem que consiste numa sátira contra o rei da Babilónia: «Reduzi-la-ei a um ninho de ouriços e a um pântano e varrê-la-ei com a vassoura da destruição - oráculo do Senhor dos Exércitos» (14:23).
A Companhia de Jesus, criada em 1534 pelo monge basco Iñigo de Loyola (Inácio de Loyola - o nome Iñigo é pré-romano; a sua forma latinizada é Enneco), e confirmada por bula papal em 1540, definiu-se como sendo uma das mais racionais ordens religiosas ocidentais, mas, apesar disso, é aquela que mais vezes é retratada nas diversas teorias de conspirações como operadora de actividades ocultistas.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Ciência: a segunda via


A segunda via do Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes é a ciência.
As diversas ciências reúnem saberes racionais e deram-nos as mais exactas e úteis explicações sobre o mundo, assim como continuam a oferecer-nos novos conhecimentos através das técnicas organizadas segundo o método científico, baseado na experimentação empírica e mensurável dos fenómenos naturais. Os resultados das experiências são sempre apresentados à restante comunidade científica, em comunicações restritas ou em jornais especializados, para serem avaliados e, desse modo, todo o conhecimento científico é revisto e aperfeiçoado até alcançar o maior rigor possível. Porém, métodos rigorosos de observação não são, por si só, uma garantia de boas intenções e neste livro poderão ler como indivíduos menos nobres se serviram do método científico para alcançarem objectivos verdadeiramente desastrosos (de outro modo, como poderia ser um compêndio de segredos sombrios e factos arrepiantes?).

De maneira geral, as religiões odeiam a ciência, porque enquanto esta se faz de mudança aquelas suportam-se na imutabilidade das revelações que lhes estão nas origens. Com efeito, o modo como o conhecimento científico é aperfeiçoado e ampliado à luz de novas descobertas e interpretações é algo que as religiões são incapazes de compreender (uma nova interpretação religiosa é vista como sendo uma heresia). No entanto, a distância entre ciência e religião já foi mais curta e pacífica.

Na Idade Média, por exemplo, designada erroneamente como a "idade das trevas", a maioria dos cientistas foi composta por clérigos que não viram nenhum impedimento em explicar a Criação através da experimentação empírica; essa atitude ainda ecoa em alguns clérigos contemporâneos, mais esclarecidos, que defendem que explicar o universo através da ciência não consiste em nenhuma blasfémia. Esta é, contudo, uma atitude muito diferente daquela que está na origem, por exemplo, do Prémio Templeton, criado em 1972, e que recompensa os investigadores que usam a ciência para credibilizar crenças religiosas ou aqueles que procuram reconciliar a religião com a ciência. Na mente dos cientistas medievais - chamavam-se a eles próprios filósofos e, mais tarde, filósofos naturais - não era precisa qualquer reconciliação, porque ambas as áreas não concorriam, de todo. No seu livro Rocks of Ages (1999), o cientista norte-americano Stephen Jay Gould (1941-2002) desenvolveu um conceito que criara dois anos antes, num artigo publicado na revista Natural History, a que chamou non-overlapping magisteria (magistérios não-sobreposicionais): abreviando, o NOMA de Gould advoga que a ciência e a religião são dois magistérios que não concorrem - isto é, evidentemente, o lema dos primeiros clérigos cientistas, como o doctor mirabilis Roger Bacon (1215-1292), frade franciscano inglês e um dos pioneiros do método científico.

Infelizmente, a igreja não conservou este ponto de vista, como comprova, entre outros eventos, o julgamento inquisitorial do cientista italiano Galileu Galilei (1564-1642), em 1616, no qual foi obrigado a renunciar à "heresia" heliocêntrica. Mesmo assim, as famosas palavras eppur si muove (no entanto, ela move-se), que terá proferido em voz baixa após a renúncia, diante dos examinadores, são apócrifas: foram inventadas em 1761 pelo abade francês Augustin Simon Irahil no livro Querelles Litteraires.

Imagem: Representação de uma célebre experiência sobre o vácuo, realizada em 1650 pelo cientista alemão Otto von Guericke (1602-1686), e que consistiu no seguinte: Guericke uniu dois hemisférios de cobre, com cerca de cinquenta centímetros de diâmetro (os famosos Hemisférios de Madgeburgo, cidade em que nasceu), e usou uma bomba de sucção de sua invenção para sugar todo o ar contido dentro dessa recém-criada esfera. De imediato, usou uma parelha de dezasseis cavalos (oito para cada hemisfério) que, puxando com vigor em direcções opostas, não foram capazes de separar as duas metades. Treze anos mais tarde, na corte de Friedrich Wilhelm I, duque da Prússia, Guericke repetiu a experiência, usando uma parelha de vinte e quatro cavalos, e, novamente, mostrou a força imensa do vácuo. Esta palavra provém do nome latino vacuu, que significa vazio.
Infelizmente, ainda hoje o vazio tem uma força tremenda.