segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

As Quatro Vias


Em síntese, as Artes Liberales (Artes Liberais: assim chamadas, porque somente um homem livre teria tempo - e condições financeiras - para dedicar-se ao seu estudo) foram conceitos que a civilização romana adoptou da cultura grega, na qual estas vias de conhecimento eram apelidadas, em conjunto, pela designação de enkúklios paidéia, que significa educação em círculo, e que consiste no étimo da palavra enciclopédia.
Na Idade Média, as Sete Artes Liberais foram legitimadas no ambiente escolástico, como sendo os Sete Pilares da Sabedoria, pela colagem a um versículo do livro bíblico Provérbios: «A sabedoria edificou a sua casa, levantou sete colunas» (9:1). No século V, um escritor chamado Martianus Capella, contemporâneo (e, se calhar, vizinho) do teólogo Agostinho de Hipona, escreveu um livro intitulado De Nuptiis Philologiae et Mercurii (Sobre as Bodas da Filologia e Mercúrio): nesse trabalho, muitíssimo influente, as Sete Artes Liberais são os "presentes" de casamento (na verdade, apresentam-se como sendo uma espécie de aias) oferecidos a Filologia e as representações inventadas por Capella ainda se mantém mais ou menos intactas. De um ponto de vista prático, estas disciplinas encontravam-se divididas em dois grupos: o trivium e o quadrivium (três vias e quatro vias); categorizações entre o conhecimento associado "às letras" e o conhecimento associado "à matemática", respectivamente, que marcaram o desenvolvimento medieval das summae.

Com efeito, foi durante a Idade Média que se fortaleceu o desejo dos doutos de registar todo o conhecimento - uma atitude ambiciosa que, surpreendentemente, foi olhada com desdém pelos filósofos humanistas do Renascimento que tomavam como garantido que o conhecimento total era impossível de alcançar, logo tentá-lo era uma estupidez. As summae, dedicadas a diferentes áreas do saber, buscaram o nome à palavra latina summa que é uma abreviatura da designação summa linea (linha de cima): de acordo com o velho hábito romano, as somas faziam-se de baixo para cima e o total era calculado na linha cimeira. Uma boa tradução para summa, no sentido enciclopédico, é compêndio.

Nessa óptica, o meu Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes está arquitectado num quadrivium muito particular: quatro vias heterogéneas de conhecimento, mas com múltiplos pontos de contacto entre si, sobre as quais assenta todo o conteúdo do livro. Quais são essas quatro vias? Irei desvendá-las em breve.

Imagem: páginas de De Secretum Philosophorum (Sobre o Segredo dos Filósofos), summa do século XIV, atribuída sem fundamento ao teólogo alemão Albertus Magnus (1193-1280) que, por mérito próprio, tentou criar um grande compêndio de todo o conhecimento, projectando para o efeito a escrita de quarenta volumes.