A segunda via do Compêndio de Segredos Sombrios e Factos Arrepiantes é a ciência.
As diversas ciências reúnem saberes racionais e deram-nos as mais exactas e úteis explicações sobre o mundo, assim como continuam a oferecer-nos novos conhecimentos através das técnicas organizadas segundo o método científico, baseado na experimentação empírica e mensurável dos fenómenos naturais. Os resultados das experiências são sempre apresentados à restante comunidade científica, em comunicações restritas ou em jornais especializados, para serem avaliados e, desse modo, todo o conhecimento científico é revisto e aperfeiçoado até alcançar o maior rigor possível. Porém, métodos rigorosos de observação não são, por si só, uma garantia de boas intenções e neste livro poderão ler como indivíduos menos nobres se serviram do método científico para alcançarem objectivos verdadeiramente desastrosos (de outro modo, como poderia ser um compêndio de segredos sombrios e factos arrepiantes?).
De maneira geral, as religiões odeiam a ciência, porque enquanto esta se faz de mudança aquelas suportam-se na imutabilidade das revelações que lhes estão nas origens. Com efeito, o modo como o conhecimento científico é aperfeiçoado e ampliado à luz de novas descobertas e interpretações é algo que as religiões são incapazes de compreender (uma nova interpretação religiosa é vista como sendo uma heresia). No entanto, a distância entre ciência e religião já foi mais curta e pacífica.
Na Idade Média, por exemplo, designada erroneamente como a "idade das trevas", a maioria dos cientistas foi composta por clérigos que não viram nenhum impedimento em explicar a Criação através da experimentação empírica; essa atitude ainda ecoa em alguns clérigos contemporâneos, mais esclarecidos, que defendem que explicar o universo através da ciência não consiste em nenhuma blasfémia. Esta é, contudo, uma atitude muito diferente daquela que está na origem, por exemplo, do Prémio Templeton, criado em 1972, e que recompensa os investigadores que usam a ciência para credibilizar crenças religiosas ou aqueles que procuram reconciliar a religião com a ciência. Na mente dos cientistas medievais - chamavam-se a eles próprios filósofos e, mais tarde, filósofos naturais - não era precisa qualquer reconciliação, porque ambas as áreas não concorriam, de todo. No seu livro Rocks of Ages (1999), o cientista norte-americano Stephen Jay Gould (1941-2002) desenvolveu um conceito que criara dois anos antes, num artigo publicado na revista Natural History, a que chamou non-overlapping magisteria (magistérios não-sobreposicionais): abreviando, o NOMA de Gould advoga que a ciência e a religião são dois magistérios que não concorrem - isto é, evidentemente, o lema dos primeiros clérigos cientistas, como o doctor mirabilis Roger Bacon (1215-1292), frade franciscano inglês e um dos pioneiros do método científico.
Infelizmente, a igreja não conservou este ponto de vista, como comprova, entre outros eventos, o julgamento inquisitorial do cientista italiano Galileu Galilei (1564-1642), em 1616, no qual foi obrigado a renunciar à "heresia" heliocêntrica. Mesmo assim, as famosas palavras eppur si muove (no entanto, ela move-se), que terá proferido em voz baixa após a renúncia, diante dos examinadores, são apócrifas: foram inventadas em 1761 pelo abade francês Augustin Simon Irahil no livro Querelles Litteraires.
Imagem: Representação de uma célebre experiência sobre o vácuo, realizada em 1650 pelo cientista alemão Otto von Guericke (1602-1686), e que consistiu no seguinte: Guericke uniu dois hemisférios de cobre, com cerca de cinquenta centímetros de diâmetro (os famosos Hemisférios de Madgeburgo, cidade em que nasceu), e usou uma bomba de sucção de sua invenção para sugar todo o ar contido dentro dessa recém-criada esfera. De imediato, usou uma parelha de dezasseis cavalos (oito para cada hemisfério) que, puxando com vigor em direcções opostas, não foram capazes de separar as duas metades. Treze anos mais tarde, na corte de Friedrich Wilhelm I, duque da Prússia, Guericke repetiu a experiência, usando uma parelha de vinte e quatro cavalos, e, novamente, mostrou a força imensa do vácuo. Esta palavra provém do nome latino vacuu, que significa vazio.
Infelizmente, ainda hoje o vazio tem uma força tremenda.
As diversas ciências reúnem saberes racionais e deram-nos as mais exactas e úteis explicações sobre o mundo, assim como continuam a oferecer-nos novos conhecimentos através das técnicas organizadas segundo o método científico, baseado na experimentação empírica e mensurável dos fenómenos naturais. Os resultados das experiências são sempre apresentados à restante comunidade científica, em comunicações restritas ou em jornais especializados, para serem avaliados e, desse modo, todo o conhecimento científico é revisto e aperfeiçoado até alcançar o maior rigor possível. Porém, métodos rigorosos de observação não são, por si só, uma garantia de boas intenções e neste livro poderão ler como indivíduos menos nobres se serviram do método científico para alcançarem objectivos verdadeiramente desastrosos (de outro modo, como poderia ser um compêndio de segredos sombrios e factos arrepiantes?).
De maneira geral, as religiões odeiam a ciência, porque enquanto esta se faz de mudança aquelas suportam-se na imutabilidade das revelações que lhes estão nas origens. Com efeito, o modo como o conhecimento científico é aperfeiçoado e ampliado à luz de novas descobertas e interpretações é algo que as religiões são incapazes de compreender (uma nova interpretação religiosa é vista como sendo uma heresia). No entanto, a distância entre ciência e religião já foi mais curta e pacífica.
Na Idade Média, por exemplo, designada erroneamente como a "idade das trevas", a maioria dos cientistas foi composta por clérigos que não viram nenhum impedimento em explicar a Criação através da experimentação empírica; essa atitude ainda ecoa em alguns clérigos contemporâneos, mais esclarecidos, que defendem que explicar o universo através da ciência não consiste em nenhuma blasfémia. Esta é, contudo, uma atitude muito diferente daquela que está na origem, por exemplo, do Prémio Templeton, criado em 1972, e que recompensa os investigadores que usam a ciência para credibilizar crenças religiosas ou aqueles que procuram reconciliar a religião com a ciência. Na mente dos cientistas medievais - chamavam-se a eles próprios filósofos e, mais tarde, filósofos naturais - não era precisa qualquer reconciliação, porque ambas as áreas não concorriam, de todo. No seu livro Rocks of Ages (1999), o cientista norte-americano Stephen Jay Gould (1941-2002) desenvolveu um conceito que criara dois anos antes, num artigo publicado na revista Natural History, a que chamou non-overlapping magisteria (magistérios não-sobreposicionais): abreviando, o NOMA de Gould advoga que a ciência e a religião são dois magistérios que não concorrem - isto é, evidentemente, o lema dos primeiros clérigos cientistas, como o doctor mirabilis Roger Bacon (1215-1292), frade franciscano inglês e um dos pioneiros do método científico.
Infelizmente, a igreja não conservou este ponto de vista, como comprova, entre outros eventos, o julgamento inquisitorial do cientista italiano Galileu Galilei (1564-1642), em 1616, no qual foi obrigado a renunciar à "heresia" heliocêntrica. Mesmo assim, as famosas palavras eppur si muove (no entanto, ela move-se), que terá proferido em voz baixa após a renúncia, diante dos examinadores, são apócrifas: foram inventadas em 1761 pelo abade francês Augustin Simon Irahil no livro Querelles Litteraires.
Imagem: Representação de uma célebre experiência sobre o vácuo, realizada em 1650 pelo cientista alemão Otto von Guericke (1602-1686), e que consistiu no seguinte: Guericke uniu dois hemisférios de cobre, com cerca de cinquenta centímetros de diâmetro (os famosos Hemisférios de Madgeburgo, cidade em que nasceu), e usou uma bomba de sucção de sua invenção para sugar todo o ar contido dentro dessa recém-criada esfera. De imediato, usou uma parelha de dezasseis cavalos (oito para cada hemisfério) que, puxando com vigor em direcções opostas, não foram capazes de separar as duas metades. Treze anos mais tarde, na corte de Friedrich Wilhelm I, duque da Prússia, Guericke repetiu a experiência, usando uma parelha de vinte e quatro cavalos, e, novamente, mostrou a força imensa do vácuo. Esta palavra provém do nome latino vacuu, que significa vazio.
Infelizmente, ainda hoje o vazio tem uma força tremenda.